28/06/2017 6s6a5i
Como fica a conscincia dos corruptos que roubam milhes dos cofres pblicos ou os empresrios que superfaturam por milhes de reais os projetos e pagam propinas milhonrias para agentes do Estado? Pior ainda: como fica a conscincia daqueles perversos que desviam centenas de milhes de reais da sade? E aqueles desumanos que falsificam remdios e condenam morte aqueles que deles precisam? Sem esquecer os desvergonhados que roubam da boca dos escolares a merenda, sabendo que para inmeros pobres representa a nica refeio do dia? Muitos desses corruptos so apenas denunciados. E fica por isso mesmo, rindo toa. No raro so cristos e catlicos que por seus crimes continuam mantendo Cristo na cruz nos corpos dos cruficados deste mundo.
Para entender esta maldade temos que considerar realisticamente a condio humana: ela simultaneamente dia-blica e sim-blica, comiva e perversa. No linguajar concreto de Santo Agostinho, em cada um de ns h uma poro de Cristo, o homem novo, e uma poro de Ado, o homem velho. Depende do projeto de nossa liberdade dar mais espao a um ou a outro. Assim pode surgir uma pessoa honesta, justa, amante da verdade e do bem. E pode crescer tambm uma pessoa maldosa, corrupta e distante de tudo o que bom e justo.
Mas no precisava ser assim. No mais profundo de ns mesmos, no obstante a ambiguidade referida, vige uma primeira natureza que se expressa por uma bondade fontal, por uma tendncia para o justo e o verdadeiro. Quanto mais penetrarmos na nossa radicalidade, mais nos damos conta de que essa a nossa essncia verdadeira, a nossa natureza primeira. Mas sem sabermos como e porqu, ocorreu algo em nosso processo antropognico – desafio permanente para os pensadores religiosos e os filsofos de todas as tradies – que fez com que a nossa natureza primeira decasse e se pervertesse. Immanuel Kant constatava que somos um lenho torto do qual no se consegue tirar uma tboa reta.
Criamos, em consequncia, uma segunda natureza feita de maldades de todo tipo. Esta terminologia se encontra j em Santo Agostinho, em Santo Toms de Aquino e posteriormente retomada por Pascal e por Hegel. Ela est presente em todas os povos e instituies e, num certo nvel, em cada um de ns. Ela resulta da sequncia continuada e uniforme de nossos maus hbitos, gerando uma verdeira cultura de distores. a cultura do negativo em ns. o reino da corrupo que se naturalizou.
Personalizemos esta segunda natureza. Se algum se habituou a mentir, a enganar a roubar, a corromper ativamene e a se deixar corromper ivamente, acaba criando em si esta segunda natureza. Rouba sem se dar conta de que esta sua prtica perversa e anti-tica porque prejudica os outros ou o bem comum. Pratica tudo isso sem culpa e sem remorsos, porque nele a corrupo virou natural, uma segunda natureza. Continuam caras-de-pau como se observa nos nossos corruptos que emagrecem, no pela m conscincia que os corri por dentro, mas pelas pssimas condies das prises.
Alm deste dado da condition humaine decadente, o socilogo Jess Souza no livro a sair A elite do atraso: da escravido Lava-Jato nos fornece um dado de nossa prpria histria: a escravido. Esta coisificava os escravos considerando-os “peas”, objeto de violncia e de desprezo. ”Sua funo era vender energia muscular, como animais”(J.Souza). Esse desprezo foi transferido aos nordestinos, aos pobres em geral e aos LGBT entre outros discriminados.
Nos tempos recentes, boa parte dos endinheirados se sentiu ameaada pela ascenso destes condenados da terra; comeou a se irritar poque os via nos shoppings centers e nos aeroportos; para eles bastava o nibus e jamais o avio. Aqui j no se trata de corrupo financeira, mas de corrupo das mentes e dos coraes, tornando as pessoas desumanas.
Finalmente, por uma mudana de rumo de nossa poltica ante os crimes de colarinho branco, os donos de grandes empresas e outros polticos que fizeram, em grande parte, suas fortunas pela corrupo, esto sentido o peso da justia, o rigor das prises e o escrneo publico. Esto atrs das grades, fato indito em nossa histria.
O sofrimento sempre d duras lies. Oxal, pelos padecimentos, a primeira natureza, a conscincia, venha tona e se descubram refns da segunda natureza decadente que eles mesmos criaram. Mudem de sentido de vida e devolvam o dinheiro roubado. E como telogo digo: no momento supremo de suas vidas, enfrentaro, trmulos, os rostos das vtimas que fizeram por causa de suas corrupes e que morreram antes do tempo, na verdade, foram por eles assassinadas. As fortunas no os salvaro. E ento como ficaro?
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