16/07/2015 5p4w1w
Ele fez de tudo na vida. Na juventudo foi ateu e marxista. Mas de repente se converteu. Ordenou-se padre durante a guerra. Logo entrou na Resistncia contra os nazistas. Em 1949 fizeram-no Assistente da Juventude da Ao Catlica. Mas seus mtodos libertrios no agradaram o do status quo eclesi?tico e o mandaram acompanhar emigrantes italianos que vinham de navio Argentina. Na viagem encontrou um Irmozinho de Jesus, seguidor de Charles de Foucault cujo carisma viver no mundo entre os mais pobres. Iniciou-se na Arglia junto ao deserto e entrou na luta de liberao contra a dominao sa. Depois foi enviado Argentina. Por anos trabalhou como operrio com madeireiros. Foi ao Chile de Pinochet. Mas logo seu nome estava na lista:?quem encontrar um desses, pode eliminar?. Esteve por um tempo na Venezuela. Mas acabou por instalar-se no Brasil em Foz do Iguau onde criou vrias iniciativas para os pobres, com ervas medicinais, fazenda didtica para jovens desamparados e outras organizaes populares que ainda persistem hoje.
Teve muitos reconhecimentos que quase sempre rejeitava. Mas o mais importante foi em 29 de novembro de 1999 em Braslia quando embaixador israelense lhe conferiu a maior comenda a no judeus:?justo entre as naes?. Durante a guerra criou com outros uma rede clandestina que salvou 800 judeus.
Fez-se monge sem sair do mundo mas sempre dentro do mundo dos lascados e humilhados. Todo o tempo livre dedicava-o orao e meditao. Durante o dia recitava mantras e jaculatrias. Foi uma das figuras mais impressionantes que aram por minha vida, com uma retrica de ressuscitar mortos. ramos amigos-irmos.
Estranhamente tinha um jeito prprio de rezar. Foi ele que me contou. Pensava: se Deus se fez gente em Jesus, ento foi como ns: fez chichi, coc, choramingava pedindo peito, fazia biquinho com o que o incomodava como a fralda molhada.
No comeo, pensava ele, Jesus teria gostado mais de Maria, depois mais de Jos, coisas que Freud e Winnicott explicam. E foi crescendo como nossas crianas, brincando com as formigas, correndo atrs dos cachorrinhos e, maroto, roubava frutas do quintal do vizinho.
Esse estranho mstico, rezava Nossa Senhora imaginando como ninava Jesus, como lavava no tanque as fraldinhas sujas e como cozinhava o mingau para o Menino e as as comidas fortes para o seu marido carpinteiro, o bom Jos.
E se alegrava interiormente com tais matutaes porque assim devia ser pensada a encarnao do Filho de Deus, na linha do Papa Francisco, no como doutrina fria, mas como fato concreto. Sentia e vivia tais coisas na forma de comoo do corao. E chorava com frequncia de alegria espiritual.
Por onde chegava, criava sempre ao seu redor uma pequena comunidade na pior favela da cidade. Tinha poucos discpulos. Apenas trs que acabavam indo todos embora. Achavam dura demais aquela vida e ainda deviam meditar durante o dia, no trabalho, na rua, na visita aos casebres mais decados.
S, agregou-se ento a uma parquia que fazia trabalho popular. Trabalhava com os sem-terra e com os sem-teto. Corajoso, organizava manifestaes pblicas em frente prefeitura e puxava ocupaes de terrenos baldios. E quando os sem-terra e sem-teto conseguiam se estabelecer, fazia belas ?msticas? ecumnicas com o faz sempre o MST.
Mas todos os dias, por volta das 10 da noite, se enfurnava na igreja escura. Apenas a lamparina lanava lampejos titubeantes de luz, transformando as esttuas mortas em fantasmas vivos e as colunas eretas, em estranhas bruxas. E l se quedava at s 23 horas. Todas as noites. Imvel, olhos fixos no tabernculo.
Um dia fui procur-lo na igreja. Perguntei-lhe de chofre: ?meu irmo Arturo, voc sente Deus, quando depois dos trabalhos, se mete a rezar aqui na igreja? Ele te diz alguma coisa??
Com toda a tranquilidade, como quem acorda de um sono profundo, apenas disse: ?Eu no sinto nada. H muito tempo que no escuto sua voz. J senti um dia. Era fascinante. Enchia meus dias de msica e de luz. Hoje no escuto mais nada. Sofro com a escurido. Talvez Deus no queira me falar nunca mais.?
E ento, retruquei eu, ?por que continua, todas as noites, a na escurido sagrada da igreja?? ?Eu continuo?, respondeu, ?porque quero estar sempe disponvel. Se Ele quiser se manifestar, sair de Seu silncio e falar, eu estou aqui para escutar. E se Ele, de fato, quiser falar e eu no estiver aqui? Pois, cada vez, ele vem somente uma nica vez. Como outrora?.
Sa maravilhado e meditativo por tanto disponibilidade. por causa dessas pessoas, msticas annimas, que a Casa Comum, no dizer do Papa Francisco, no destruda e Deus continua com sua misericrdia sobre a humana perversidade.
Elas vigiam e esperam, contra toda a esperana, o advento de Deus que talvez nunca acontear. Mas so os pra-raios divinos que recolhem a graa que, silenciosamente, se difunde pelo universo e faz que Deus continue a nos dar o sol e todas as estrelas e penetre fundo no corao de todos os vivem na Casa Comum. E se Deus aparecer haver gente disponvel para ouvi-lo. E choraro de alegria.
Seu nome Arturo Paoli que com 102 anos foi ver e escutar Deus no dia 13 de julho de 2015 onde vivia em San Martino in Vignale nas colinas de Lucca, Itlia.
Leonardo Boff colunista do JB online e telogo
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