Onde est o n da questo ecolgica (I)? - Jornal Cruzeiro do Vale 1i662q

Onde est o n da questo ecolgica (I)? r3v57

04/12/2014 4x5k46

Estamos acostumados ao discurso ambientalista genralizado pela mdia e pela conscincia coletiva. Mas importa reconhecer que restringir a ecologia ao ambientalismo incidir em grave reducionismo. No basta uma produo de baixo carbono mas mantendo a mesma atitude de explorao irresponsvel dos bens e servios da natureza. Seria como limar os dentes de um lobo com a iluso de tirar a ferocidade dele. Sua ferocidade reside em sua natureza e no nos dentes. Algo semelhante ocorre com o nosso sistema industrialista, produtivista e consumista. de sua natureza tratar a Terra como um balco de mercadorias a serem colocadas no mercado. Temos que superar esta viso caso quisermos alcanar um outro paradigma de relao para com a Terra e assim sustar um processo que nos poder levar a um abismo.

Estamos cansados de meio-ambiente. Queremos o ambiente inteiro, vale dizer, uma viso sistmica do sitema-Terra, do sistema-vida e do sistema-civilizao humana, constituindo um grande todo, feito de redes de inerdependncias, complementaes e reciprocidades.

Com razo a Carta da Terra tende a substituir meio-ambiente por comunidade de vida pois a moderna biologia e cosmologia nos ensinam que todos os seres vivos so portadores do mesmo cdigo gentico de base ? os vinte aminocidos e as quatro bases fosfatadas ? desde a bactria mais originria surgida h 3,8 bilhes de anos, ando pelas grandes florestas, os dinossauros, os colibris e chegando a ns. A combinao diferenciada desses aminocidos com as bases fosfatadas origina a diversidade dos seres vivos. O resultado desta constatao que um lao de parentesco une todos os viventes, formando, de fato uma comunidade de vida a ser ?cuidada com compreenso, compaixo e amor?(Carta da Terra, n. I, 2). O que Francisco de Assis intua em sua mstica csmica, chamando a todos os seres com o doce nome de irmos e irms, ns o sabemos por um experiento cientfico.

Entre esses seres vivos ressalta o planeta Terra. A partir dos anos 70 do sculo ado se firmou, em grande parte da comunidade cientfica, primeiro a hiptese e a partir de 2001 a teoria de que a Terra no somente possui vida sobre ela. Ela mesma viva, chamada por seu formulador principal James Lovelock e no Brasil por Jos Lutzenberger de Gaia, um dos nomes da mitologia grega para a Terra viva. Ela combina o qumico, o fsico, o ecolgico e antropolgico de forma to sutil que sempre se torna capaz de produzir e reproduzir vida. Em razo desta constatao a prpria ONU em 22 de abril de 2009 numa famosa sesso geral aprovou por unamidade chamar a Terra de Me Terra, Magna Mater e Pachamama. Vale dizer, ela um super Ente vivo, complexo, por vezes, aos nossos olhos, contraditrio (faz conviver a ordem com a desordem) mas sempre geradora de todos os seres, nas suas mais distintas ordens, especialmente gestadora dos seres vivos, maxime, dos seres humanos, homens e mulheres.

Acresce ainda este dado que segundo o bioqumico e divulgador de assuntos cientficos Isaac Asimov, o grande legado das viagens espaciais: a unicidade da Terra e da Humanidade. L de fora, das naves espaciais e da Lua, diz ele e o confirmaram os astronautas, no h diferena entre ser humano e Terra. Ambos formam uma nica entidade. Em outras palavras, o ser humano, dotado de inteligncia, de cuidado e de amor resulta de um momento avanado e altamente complexo da prpria Terra. Esta evoluiu a tal ponto que comeou a sentir, a pensar, a amar, a cuidar e a venerar, como j acenava o grande cantador e poeta argentino indgena Athaulpa Yupanqui. Eis que irrompeu o ser humano no cenrio deste minsculo planeta Terra. Por isso, diz-se que homem se deriva de humusa: terra boa e frtil; ou adamah em hebraico bblico: o filho e a filha da terra arvel e fecunda.

Todo esse processo da gestao da vida seria impossvel se no existisse todo o substrato fsico-qumico (a escala de Medeneleiev) que se formou no corao das grandes estrelas vermalhas, h bilhes de anos, que explodindo, lanaram tais elementos em todas as direes, criando as galxias, as estrelas, os planetas, a Terra e ns mesmos. Portanto, esta parte que parece inerte, tambm pertence vida, porque sem ela, ontem como hoje, a vida e a humana seriam impossveis.

A sustentabilidade ?categoria central desta viso ? tudo o que se ordena a manter a existncia de todos os seres especialmente os seres vivos e nossa cultura sobre o planeta.

O que concluimos deste rpido percurso? Devemos mudar nosso olhar sobre a Terra, a natureza e sobre ns mesmos. Ela nossa grande me que como nossas mes merece respeito e venerao. Quer dizer, conhecer e respeitar seus ritmos e ciclos, sua capacidade de reproduo, no devast-la como temos feito desde o advento da tecnocincia e do esprito antropocentrista que pensa que ela s tem valor na medida em que nos til. Mas ela no precisa de ns. Ns precisamos dela.

Esse paradigma est chegando ao seu limite, porque a Me Terra est dando sinais inequvocos de estar extenuada e doente. Ou reinventamos outra forma de atender nossas necessidades vitais na relao com a Terra ou ela, que viva, poder no nos querer mais sobre seu solo.

Assumir este novo olhar e esta nova prtica , para mim, o grande n e o desafio decisivo da questo ecolgica atual.

Leonardo Boff, ecotelogo e escritor

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Indianara Schmitt

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