03/11/2017 3z3w47
Quem olha o panorama brasileiro sob a tica da tica (toda tica produz sua tica) no deixa de ficar desolado e profundamente entristecido. Um presidente no apenas portador do poder supremo de um pas. O cargo possui uma carga tica. Ele deve testemunhar, por sua vida e atos, os valores que quer que seu povo viva. Aqui temos o contrrio:um presidente tido por corrupto, no s por acusao de polticos, nem sequer por delaes, sempre discutveis, mas por investigao sria da Polcia Federal e de outros rgos como o Ministrio Pblico. Mas a desmesurada vaidade do cargo e a total falta de respeito face ao seu prprio pas, se mantem base de corrupo feita luz do dia, comprando votos de deputados e oferecendo outros benesses. E os deputados, gaiamente, se deixam corromper,porque muitos so corruptos, aproveitam a ocasio para conquistar funes e outros benefcios. A repblica apodreceu de vez. Temos que refundar o Brasil sobre outras bases pois aquelas que at agora mancamente o sustentaram j no conseguem dar-lhe digna sustentabilidade.
A despeito disso tudo, no deixamos a esperana morrer, embora nesse momento, no dizer de Rubem Allves, se trata de uma “esperana agonizante”. Mas ela ressuscitar desta agonia e nos resgatar um sentido de viver. Se perdermos o sentido da vida, o prximo o poder ser o completo cinismo e, no termo, o suicdio. Quero retomar a questo do sentido da vida.
A despeito da desesperana e da existncia do absurdo face ao qual a prpria razo se rende, acreditamos ainda na bondade fundamental da vida. O homem comum que somos a grande maioria, se levanta, perde precioso tempo de vida nos nibus super lotados, vai ao trabalho, no raro penoso e mal remunerado, luta pela famlia, se preocupa com a educao de seus filhos, sonha com um Brasil melhor, capaz de gestos generosos auxiliando um vizinho mais pobre que ele e, em casos extremos, arrisca a vida, para salvaruma inocente meninaameaada de estupro. O que se esconde atrs destes gestos cotidianos e banais? Esconde-se a confiana de que, apesar de tudo, vale a pena viver porque a vida, na sua profundidade, boa e foi feita para ser levada com coragem que produz auto-estima e sentido de valor.
H aqui uma sacralidade que no vem sob o signo religiosomas sob a perspectica do tico, do viver corretamente e do fazer o que deve ser feito.O grande socilogo austraco-norte-americano Peter Berger, h pouco falecido, escreveu um brilhante livro, relativizando a tese de Max Weber sobre a secularizao completa da vida moderna com o ttulo:”Um rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural(Vozes 1973). A descreve inmeros sinais (chama de “rumor de anjos”) que mostram o sagrado da vida e o sentido que ela sempre guarda, a despeito de todo caos e dos contrasensos histricos.
Trabalho apenas um exemplo que me vem mente, banal e entendido por todas as mes que acalentam seus filhos. Um deles acorda sobressaltado dentro da noite. Teve um pesadelo, percebe a escurido, sente-se s e tomado pelo medo. Grita pela me. Esta se levanta, toma o filhinho no colo e no gesto primordial damagna matercerca-o de carinho e de beijos, fala-lhe coisas doces e lhe sussurra:” Meu filhinho, no tenhas medo; sua me est aqui. Est tudo bem e est tudo em ordem, meu querido”. O menino deixa de soluar. Reconquista a confiana da noite e um pouco mais e mais um pouco, adormece, serenado e reconciliado com as coisas.
Esta cena to comum, esconde algo radical que se manifesta na pergunta: ser que a me no est enganando a criana? O mundo no est em ordem, nem tudo et bem. E contudo, estamos certos: a me no est enganando seu filhinho. Seu gesto e palavras revelam que, no obstante a desordem que a razo prtica aponta, impera uma ordem mais fundamental. O conhecido pensador Eric Voegelin (Order and History, 1956)mostrou magistralmente que todo ser humano possui uma tendncia essencial para a ordem. Onde quer que surja o ser humano, a aparece uma ordem das coisas, valores ecertos comportamentos.
A tendncia para a ordem implica a convico de que a vida possui sentido. Que no fundo da realidade, no vigora a mentira, mas a confiana, o consolo e o derradeiro aconchego.
Assim cremos que o tempo da grande desolao por causa corrupo que destroia ordem, voltaremos a celebrar e desfrutar o sentido bom da existncia.
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