11/09/2014 37q6i
O tema dos direitos humanos uma constante em todas as agendas. H momentos em que se torna um clamor universal como atualmente com a criao do Estado Islmico que comete sistemtico genocdio das minorias. Por que no conseguimos fazer valer efetivamente os direitos no s humanos mas tambm os da natureza? Onde reside o ime fundamental?
A Carta da ONU de 1948 confia ao Estado a obrigao de criar as condies concretas para que os direitos possam ser realizados para todos. Ocorre que o tipo de Estado dominante um Estado classista. Como tal perado pelas desigualdades que as classes sociais originam. Concretamente: a ideologia poltica deste Estado neoliberalismo que se expressa pela democracia representativa e pela exaltao dos valores do indivduo; a economia capitalista que operou a ?Grande Transformao?, substituindo a economia de mercado pela sociedade de mercado para a qual tudo vira mercadoria. Por ser capitalista vigora a hegemonia da propriedade privada, o mercado livre e a lgica da concorrncia. Esse Estado controlado pelos grandes conglomerados que hegemonizam o poder econmico, poltico e ideolgico. Em grande parte privatizado por eles. Usam o Estado para a garantia de seus privilgios e no dos direios de todos. Atender os direitos sociais a todos seria contraditrio com sua lgica interna.
A soluo que as classes subalternas encontraram para enfrentar essa contradio foi de elas mesmas se organizarem e criarem as condies para seus direitos. Assim surgiram os vrios movimentos sociais e populares por terra, por teto, por sade, por escola, pelos negros, ndios e mulheres marginalizadas, por igualdade de gnero, por respeito do direito das minorias etc. mais que uma luta pelos direitos; uma luta poltica para a transformao do tipo de sociedade e do tipo de Estado vigentes porque com eles seus direitos nunca iro ser reconhecidos. Portanto, a alternativa democracia reduzida, a democracia social, participativa, de baixo para cima, na qual todos possam caber. O Estado que representa esse tipo de democracia enriquecida teria uma natureza nitidamente social e se organizaria para garantir os direitos sociais de todos. Enquanto isso no ocorrer, no haver uma real universalizao dos direitos humanos. Parte dos discursos oficiais so apenas retricos.
As classes subalternas expandiram o conceito de cidadania. No se trata mais daquela burguesa que coloca o indivduo diante do Estado e organiza as relaes entre ambos. Agora se trata de cidados que se articulam com outros cidados para juntos enfrentarem o Estado privatizado e a sociedade desigual de classe. Dai nasce a concidadania: cidados que se unem entre si, sem o Estado e muitas vezes contra o Estado para fazerem valer seus direitos e levarem avante a bandeira poltica de uma real democracia social, onde todos possam se sentir representados.
Esse movimentos fizeram crescer mais e mais, a conscincia da dignidade humana, a verdadeira fonte de todos os direitos. O ser humano no pode ser visto como mera fora de trabalho, descartvel, mas como um valor em si mesmo, no vel de manipulao por nenhuma instncia, nem estatal, nem ideolgica, nem religiosa. A dignidade humana remete preservao das condies de continuidade do planeta Terra, da espcie humana e da vida, sem a qual o discurso dos direitos perderia seu cho.
Por isso, os dois valores e direitos bsicos que devem entrar mais e mais na conscincia coletiva so: como preservar nosso esplndido planeta azul-branco, a Terra, Pachamama e Gaia? E o segundo: como garantir as condies ecolgicas para que o experimento homo sapiens/demens possa continuar, se desenvolver e co-evoluir? Esses dois dados constituem a base de tudo mais. Ao redor desse ncleo, se estruturaro os demais direitos. Eles sero no somente humanos, mas tambm scio-csmicos. Em outras palavras, a biosfera da Terra patrimnio comum de toda vida em sua imensa diversidade, e no apenas da vida humana. Ento, mais que falar em termos de meio-ambiente, deve-se falar em comunidade de vida, ou ambiente inteiro. O ser humano tem a funo, j assinalada no Gnese, a de ser o tutor ou guardio da vida, o representante legal da comunidade bitica, sem a pretenso de superioridade, mas se compreendendo como um elo da imensa cadeia da vida, irmo e irm de todos. Daqui resulta o sentimento de responsabilidade e e de venerao que facilita a preservao e o cuidado por todo o criado e por tudo o que vive.
Ou faremos essa viragem necessria para essa nova tica, fundada numa nova tica, ou poderemos conhecer o pior, a era das grandes devastaes do ado. A reflexo sobre os direitos humanos de primeira gerao (individuais), de segunda gerao (sociais), de terceira gerao (transindividuais, direitos dos povos, das culturas etc), da quarta gerao (direitos genticos) e da quinta gerao (da realidade virtual) no podem desviar nossa ateno dessa nova radicalidade na luta pelos direitos, agora comeando pelos direitos da Terra e das tribos da Terra, base para todos os demais desmembramentos.
At hoje todos davam por descontada a continuidade da natureza e da Terra. No precisavam se preocupar delas. Esta situao se modificou totalmente, pois os seres humanos, nas ltimas dcadas, projetaram o princpio de auto-destruio.
A conscincia desta nova situao fez surgir o tema dos direitos humano-scio-csmicos e a urgncia de que, se no nos mobilizarmos para as mudanas, o contagem regressiva do tempo se coloca contra ns e pode nos surpreender com um bioecoenfarte de consequncias devastadoras para todo o sistema da vida. Devemos estar altura desta emergncia.
Edio 1622
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