O futebol como religio secular - Jornal Cruzeiro do Vale 5i1h4x

O futebol como religio secular t4a6k

24/06/2014 211c

Leonardo Boff, telogo e escritor

A presente Copa Mundial de Futebol que ora se realiza no Brasi, bem como outros grandes eventos futebolsticos, assumem caractersticas, prprias das religies. Para milhes de pessoas o futebol, o esporte que possivelmente mais mobiliza no mundo, ocupou o lugar que comumente detinha a religio. Estudiosos da religio, somente para citar dois importantes como Emile Durkheim e Lucien Goldmann, sustentam que ?a religio no um sistema de idias; antes um sistema de foras que mobilizam as pessoas at lev-las mais alta exaltao?(Durckheim). A f vem sempre acoplada religio. Esse mesmo clssico afirma em seu famoso ?As formas elementares da vida religiosa: ?A f antes de tudo calor, vida, entusiasmo, exaltao de toda a atividade mental, transporte do indivduo para alm de si mesmo?(p.607). E conclui Lucien Goldamnn, socilogo da religio e marxista pascalino:?crer apostar que a vida e a histria tem sentido; o absurdo existe mas ele no prevalece?.

Ora, se bem reparmos o futebol para muita gente preenche as caractersticas religiosas: f, entusiasmo, calor, exaltao, um campo de fora e uma permanente aposta de que seu time vai triunfar.

A espetacularizao da abertura dos jogos lembra uma grande celebrao religiosa, carregada de reverncia, respeito, silncio, seguido de ruidoso aplauso e gritos de entusiasmo. Ritualizaes sofisticadas, com msicas e encenaes das vrias culturas presentes no pas, apresentao de smbolos do futebol (estandartes e bandeiras), especialmente a taa que funciona como um verdadeiro clice sagrado, um santo Graal buscado por todos. E h, valha o respeito, a bola que funciona como uma espcie de hstia que comungada por todos.

No futebol como na religio, tomemos a catlica como referncia, existem os onze apstolos (Judas no conta) que so os onze jogadores, enviados para representar o pas; os santos referenciais como Pel, Garrincha, Beckenbauer e outros; existe outrossim um Papa que o presidente da Fifa, dotado de poderes quase infalveis. Vem cercado de cardeais que constituem a comisso tcnica responsvel pelo evento. Seguem os arcebispos e bispos que so os coordenadores nacionais da Copa. Em seguida aparece a casta sacerdotal dos treinadores, estes portadores de especial poder sacramental de colocar, confirmar e tirar jogadores. Depois emergem os diconos que formam o corpo dos juzes, mestres-telogos da ortodoxia, vale dizer, das regras do jogo e que fazem o trabalho concreto da conduo da partida. Por fim vem os coroinhas, os bandeirinhas que ajudam os diconos.

O desenrolar de uma partida suscita fenmenos que ocorrem tambm na religio: gritam-se jaculatrias (bordes), chora-se de comoo, fazem-se rezas, promessas divinas (o Felipe Scolari, treinador brasileiro, cumpriu a promessa de andar a p uns vinte km at o santurio de Nossa Senhora do Caravaggio em Farroupilha caso vencesse a Copa como de fato venceu), figas e outros smbolos da diversidade religiosa brasileira. Santos fortes, orixs e energias do ax so a evocadas e invocadas.

Existe at uma Santa Inquisio, o corpo tcnico, cuja misso zelar pela ortodoxia, dirimir conflitos de interpretao e eventualmente processar e punir jodadores e at times inteiros.

Como nas religies e igrejas existem ordens e congregaes religiosas, assim h as ?torcidas organizadas?. Elas tem seus ritos, seus cnticos e sua tica.

H famlias inteiras que escolhem morar perto do Clube do time que funciona como uma verdadeira igreja, onde os fiis se encontram e comungam seus sonhos. Tatuam o corpo com os smbolos do time; a criana nem acaba de nascer que a porta da encubadora j vem ornada com os smbolos do time, quer dizer, recebe j ai o batismo que jamais deve ser traido.

Considero razovel entender a f como a formulou o grande filsofo e matemtico cristo Blaise Pascal, como uma aposta: se aposta que Deus existe tem tudo a ganhar; se de fato no existe, no tem nada a perder. Ento melhor apostar de que exista. O torcedor vive de apostas (cuja expresso maior a loteria esportiva) de que a sorte beneficiar o time ou de que algo, no ltimo minuto do jogo, tudo pode virar e, por fim, ganhar por mais forte que for o adversrio. Como na religio h pessoas referenciais, da mesma forma vale para os craques.

Na religio existe a doena do fanatismo, da intolerncia e da violncia contra outra expresso religiosa; o mesmo ocorre no futebol: grupos de um time agridem outros do time concorrente. nibus so apedrejados. E pode ocorrer verdadeiros crimes, de todos conhecidos, que torcidas organizadas e de fanticos que podem ferir e at matar adversrios de outro time concorrente.

Para muitos, o futebol virou uma cosmoviso, uma forma de entender o mundo e de dar sentido vida. Alguns so sofredores quando seu time perde e eufricos quando ganha .

Eu pessoalmente aprecio o futebol por uma simples razo: portador de quatro prteses nos joelhos e nos fmures, jamais teria condies de fazer aquelas corridas e de levar aqueles trancos e quedas. Fazem o que jamais poderia fazer, sem cair aos pedaos. H jogadores que so geniais artistas de criatividade e habilidade. No sem razo, o maior filsofo do sculo XX, Martin Heidegger, no perdia um jogo importante, pois via, no futebol a concretizao de sua filosofia: a contenda entre o Ser e o ente, se enfrentando, se negando, se compondo e constituindo o imprevisvel jogo da vida, que todos jogamos.

Edio 1599

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Indianara Schmitt

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