13/07/2017 473e1o
Quero apresentar um livro que sair brevemente traduzido no Brasil A Pachamama e o ser humano (Ediciones Colihue 2012) de Eugenio Ral Zaffaroni bem conhecido no Brasil nos meios jurdicos. um reconhecido magistrado argentino, ministro da Suprema Corte de 2003 a 2014 e professor emrito da Universidade de Buenos Aires.
O presente livro se inscreve entre as melhores contribuies de ordem ecolgica e filosfica que se tem escrito ultimamente. Ele se situa na esteira da encclica do Papa Francisco, tambm argentino, Laudato Si,sobre o cuidado da Casa Comum (2015). Zaffaroni aborda a questo da ecologia integral, em especial da violncia social e particularmente contra os animais com uma informao irvel de ordem cientfica e filosfica.
O mais importante do livro a crtica ao paradigma dominante, surgido com os pais fundadores da modernidade do sculo XVI e XVII que ex abrupto introduziram uma profunda cissura entre o ser humano e a natureza. O contrato natural, presente nas culturas desde tempos imemoriais, do Ocidente e do Oriente, sofreu um corte fatal e letal.
A Terra deixou de ser a Magna Mater dos antigos, a Pachamama dos andinos e a Gaia dos contemporneos, portanto algo vivo e gerador de vida, para ser transformada numa coisa inerte (res extensa de Descartes), num balco de recursos colocados disposio da voracidade ilimitada dos seres humanos. Clssica a formulao de Ren Descartes: o ser humano o “matre et possesseur” da natureza, vale dizer, o senhor e dono da natureza. Ele pode fazer dela o que que bem entender. E o fez.
A cultura moderna se construu sobre a compreenso do ser humano como dominus como senhor e dono de todas as coisas. Estas no possuem valor intrnseco, como vo afirmar mais tarde a Carta da Terra e com grande vigor a encclica papal. Seu valor reside apenas em poder estar a servio do ser humano.
O projeto o do poder entendido como capacidade de dominao sobre tudo e sobre todos, a partir de quem mais poder possui. No caso, os europeus que realizaram a aventura do submetimento da natureza, da conquista do mundo, da colonizao de inteiras naes, do genocdio, do ecocdio e da destruio de culturas ancestrais. E o fizeram usando a fora brutal das armas, da espada e tambm da cruz. Hoje em dia com armas, capazes de extingir a espcie humana.
Zaffaroni rastreia o surgimento deste projeto civilizatrio e o faz com grande riqueza bibliogrfica. Enfrenta com coragem e com grande liberdade crtica os presumidos corifeus do pensamento moderno como Hegel, Spencer, Darwin e Heidegger. Restrinjo-me s crticas que faz ao Hegel do Geist (esprito). Com sua filosofia-ideologia tornou-se o expoente maior do etnocentrismo. Herbert Spencer com seu biologismo estabeleceu a raa branca como superior e todas as demais tidas como inferiores, o que acabou por legitimar o colonialismo e todo tipo de preconceito.
Zaffaroni aborda a questo do animal visto como sujeito de direitos. Enfatiza eie:”ao nosso juzo, o bem jurdico no delito de maus tratos a animais no outro que o direito do prprio animal a no ser objeto de crueldade humana, para o qual mister reconhecer-lhe o carter de sujeito de direitos”. O autor duro na constatao “de que nos convertemos nos campees biolgicos da destruio intra-espcie e nos depredadores mximos extra-espcie”. Sua proposta clara:”Somente substituindo o saber do dominus pelo de frater podemos recuperar a dignidade humana” e sentirmo-nos irmados com os demais seres.
A Amrica Latina foi a primeira a inaugurar um constituionalismo ecolgico, inserindo nas constituies do Equador e da Bolvia os direitos da natureza e da Me Terra. Anteriormente, e tambm por primeiro, foi o Mxico. a introduzir em sua constituio em 1917 os direitos sociais. Zaffaroni faz a apologia das virtuadalidades criadoras de harmonia do ser humano com a natureza que a viso andina do “bem viver e conviver”(sumac kawsay) comporta; tambm de Gaia, a Terra como um super-organismo vivo que se auto-regula para sempre produzir e reproduzir vida. A Pachamama e Gaia so dois caminhos que se encontram “numa feliz coincidncia do centro e da periferia do poder planetrio”. Ambos so portadores de esperana de uma Terra, Casa Comum, na qual todos os seres so includos. Eles nos libertaro das ameaas apocalpticas do fim de nossa civilizao e da vida.
Zaffaroni nos traz uma brilhante e convincente perspectiva, crtica severa por um lado, mas cheia de esperana por outro. Vale l-lo, estud-lo e incorporar em nossa compreenso sua viso de uma ecologia holstica e profundamente integradora de todos os elementos da natureza e do universo.
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