A solidariedade: um paradigma olvidado - Jornal Cruzeiro do Vale 3c334x

A solidariedade: um paradigma olvidado 6m3d4v

15/08/2017 5m3g3m

H falta clamorosa de solidariedade no momento atual de nossa histria. Somos informados de que neste exato momento 20 milhes de pessoas esto ameaadas de morrer literalmente de fome, no Imen, na Somlia, no Sudo do Sul e na Nigria. O grito dos famlicos se dirige ao cu e para todas as direes e quem os escuta? Um pouco a ONU e somente algumas corajosas agncias humanitrias.

Em nosso pas por causa dos ajustes promovidos pelos atuais governantes que deram um golpe parlamentar, visando impor sua agenda neoliberal, h pelo menos 500 mil famlias que perderam a bolsa famlia. Pobres esto caindo na misria da qual haviam sado e miserveis esto se tornando indigentes. No so poucos os que vem nossa ONG em Petrpolis (Centro de Defesa dos Direitos Humanos), que existe h 40 anos, pedindo comida. possvel negar o po mo estendida e aos olhos suplicantes sem ser desumano e sem piedade?

urgente resgatarmos o significado antropolgico fundamental da solidariedade. Ela anti-sistmica, pois o sistema imperante capitalista individualista e se rege pela concorrncia e no pela solidariedade e pela cooperao. Isso vai contra o sentido da natureza.

Dizem-nos os etno-antroplogos que foi a solidariedade que nos fez ar da ordem dos primatas para a ordem dos humanos. Quando nossos ancestrais antropides saam para buscar seus alimentos, no os comiam individualmente. Traziam-nos ao grupo para juntos comerem. Viviam a comensalidade, prpria dos humanos. Portanto, a solidariedade est na raiz de nossa hominizao.

O filsofo francs Pierre Leroux nos meados do sculo XIX, ao surgirem as primeiras associaes de trabalhadores contra a selvageria do mercado, resgatou politicamente esta categoria da solidariedade. Era cristo mas disse: “devemos entender a caridade crist hoje como solidariedade mtua entre os seres humanos”(Cf. Jean-Lous Laville, L’conomie solidaire: une perspective international 1994, 25ss).

A solidariedade implica reciprocidade entre todos, como um fato social elementar. Da nasceu a economia do dom mtuo, to bem analisada por Marcel Mauss.

Se bem reparmos, a natureza no criou um ser para si mesmo, mas todos seres uns para os outros. Estabeleceu entre eles laos de mutualidade e redes de relaes solidrias. A solidariedade originria nos faz a todos irmos e irms dentro da mesma espcie.

A solidariedade, portanto, indissocivel da natureza humana enquanto humana. Se no houvesse solidariedade nem teramos condies de sobreviver. No possuimos nenhum rgo especializado (Mangelwesen de A. Gehlen) que garante a nossa subsistncia. Para sobreviver, dependemos do cuidado e da solidariedade dos outros. Essa um fato inegvel outrora e ainda hoje.

Mas precisamos ser realistas, nos adverte E. Morin. Somos simultaneamente sapiens e demens, no como decadncia da realidade mas como expresso de nossa condio humana. Podemos ser sapientes e solidrios e criar laos de humanizao. Mas podemos tambm ser dementes e destruir a solidariedade, degolar pessoas como fazem os militantes do Estado Islmico ou queim-las dentro de um monte de pneus como faz a mfia da droga.

Por causa desse nosso momento demente que Hobbes e Rousseau viram a necessidade de um contrato social que nos permitisse conviver e evitasse que nos devorssemos reciprocamente.

O contrato social no nos dispensa de termos que resgatar continuamente a solidariedade que nos humaniza, sem a qual o lado demente predominaria sobre o sapiente.

o que estamos vivendo a nvel mundial e tambm nacional, pois pouqussimos controlam as finanas e o o aos bens e servios naturais, deixando mais da metade da humanidade na indigncia. Bem dizia o Papa Francisco: o sistema imperante assassino e anti-vida.

Entre ns, as atuais polticas de ajustes fiscais esto onerando especialmente os pobres e beneficiando aqueles poucos que controlam os fluxos financeiros. O Estado enfraquecido pela corrupo no consegue frear a voracidade da acumulao ilimitada das oligarquias.

Houve Algum que foi solidrio conosco. No quis se prevalecer de sua condio divina. Antes, “por solidariedade apresentou-se como simples homem” (Flp 2,7) e acabou crucificado. Esta solidariedade nos devolveu humanidade (nos salvou) e continua nos animando a “a termos os mesmos sentimentos que ele teve”(Flp 2,5).

urgente resgatarmos o paradigma bsico de nossa humanidade, to olvidado, a solidariedade essencial. Fora dela desvirtuaremos nossa humanidade e a dos outros.

Leonardo Boff articulista do JB on line e escreveu O princpio de compaixo e cuidado, Vozes 2009. 5e6m50

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Indianara Schmitt

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