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Antes de abordarmos, suscintamente, a questo complexa da poltica faz-se mister distinguir, como j fizemos em artigo anterior, a poltica com P maisculo que a busca comum do bem comum. Dela todos os cidados participam. Existe ainda a poltica com p minsculo que consiste na poltica partidria, que como a palavra sugere, parte e no o todo. So os agrupamentos polticos com ideologia e projeto ( o que mais nos falta no Brasil) que buscam o poder de estado para a partir dele e de seus aparelhos governar o municpio,os estados e a federao.
Impota ainda conscientizar o fato de que a poltica mais que qualquer outra realidade, participa da ambiguidade inerente condio humana que nos faz simultaneamente dementes e sapientes, sim-blicos e dia-blicos, numa palavra, nos revela intrincadas de contradies. Por isso, por um lado, dizem os Papas a poltica a mais alta forma do amor e, por outro, contm deformaes lamentveis como o patrimonialismo e a corrupo. Rubem Alves deixou escrito: ?a poltica como misso a melhor das virtudes; como profisso a mais vil?. Dai viver a poltica em permanente crise. A nossa de baixa intensidade, pois o povo no se sente representados pelos parlamentares, muitos deles vivendo de negociatas e de aproveitamento dos bens pblicos. Mas ela pode sempre melhorar e transformar-se, segundo o ideario dos mestres Norberto Bobbio e Boaventura de Souza Santos, num valor universal a ser vivido em todas as instncias, da famlia, dos sindicatos at no centro do poder. O ideal que cheguemos a uma democracia sem fim, um projeto sempre inacabado porque sempre perfectvel.
No secundamos um pragmatismo preguioso, sem sonhos e destitudo de vontade de aperfeioamento. Infelizmente, esta a tendncia dominante, particularmente, no quadro da ps-modernidade para a qual qualquer coisa vale (anything goes) ou s vale o que est na moda. E est contaminando os jovens.
Entretanto, uma pessoa ou uma sociedade que j no sonha e que no se orienta por utopias, escolheu o caminhou de sua decadncia e de seu desaparecimento. Sem utopia no se alimenta a esperana. Sem esperana no h mais razes para viver e o desfecho fatal a auto-destruio. Ela desempenha funo insubstituvel, pois ela relativiza as realizaes histricas concretas e mantm o processo sempre aberto a novas incorporaes. Numa palavra, a utopia nos fazer andar. Jamais alcanaremos as estrelas. Mas que seriam nossas noites sem elas? So elas que espantam os fantasmas da escurido e nos enchem de reverncia face majestade de um cu estrelado. Porque temos estrelas, no tememos a escurido.
Precisamos, portanto, de uma utopia para a poltica, para que desempenhe a funo pela qual existe: organizar a sociedade, montar um Estado, distribuir os poderes e realizar a busca comum do bem comum para todos, sem privilgios e discriminaes. Isso vale tanto para a Poltica em P maisculo quanto a politica em p minsculo. Ambas precisam incorporar a tica do bem comum, da responsabilidade coletiva, da transparncia e da retido em todos os negcios onde esto envolvidos os poderes pblicos.
Quando confrontamos a poltica realmente existente e a utopia da poltica notamos imensas contradies. H um constrangimento poderoso que pesa sobre a poltica: o fato de a poltica hoje estar submetida economia e ao mercado que se regem por uma feroz competio deixando totalmente margem a cooperao e os valores da solidariedade, fundamentais para uma convivncia civilizada. Isso faz com que os valores no materiais, ligados justia social, gratuidade, ao cuidado, solidariedade, ao trato humano com as pessoas, liberdade de expresso ocupam um lugar irrelevante quando no so feitos tambm mercadorias, colocadas na banca do mercado e exploradas por conhecidos populistas ou por todo um mercado de literatura de auto-ajuda que mais ilude que ilumina.
Ora, destes valores altamente positivos vive fundamenalmente a poltica que se entende como prtica da tica social. No suficiente a denncia das diferentes corrupes sem apresentar formas alternativas ou legais de realizar os projetos polticos. Facilmente camos no moralismo como se somente com a moral se resolvem todos os problemas
A Igreja Catlica ajuda a criar uma tica pessoal, de retido e integridade. H polticos que incorporam esta tica (tica na poltica). Mas ela no elaborou suficientemente uma tica social e poltica que trabalha as instituies, os braos longos do poder que devem ser transparentes e um servio pblico (tica da poltica). nesse campo que ocorrem as perverses da poltica. Especialmente grave o financiamento privado das eleies que se traduz por troca de favores e implica alta corrupo.
No Brasil com tradio patrimonialista, o poltico facilmente considera seu o bem pblico e se apropia dele sem maiores escrpulos. roubo do po que falta na mesa do pobre, livro que o estudante no tem, remdio invel ao enfermo necessitado.
A desejada reforma poltica reintroduziria a tica na poltica que ainda para Aristteles poltica e tica eram sinnimos.
Leonardo Boff telogo e escritor
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